terça-feira, novembro 02, 2010

Conto: do céu ao inferno em 200m


Era noite de quinta feira, quando Athayde voltava para casa trazendo consigo uma sacola de DVDs comprados na promoção das lojas Lar & Multimedia e também, um delicioso sanduíche de almôndegas, também promoção do dia, comprado numa franquia de fast-food de uma nova rede de lanchonetes quem tem inovado o estilo de fazer sanduiches, a Underground, que diferentes das outras redes, seus sanduiches são saudáveis, maiores e mais barato do que da concorrência.

No caminho de casa, ao passar em frente a um supermercado, o Crossroad, Athayde avista de longe uma pessoa. Um pedinte, um mendigo, não dava para enxergar bem, provavelmente pedindo dinheiro. Logo, Athayde pensou: "(...) essa porra já vai pedir dinheiro pra mim, é impressionante como eu atraio esse tipo de gente, essa cara de riquinho que eu tenho só me fode..." Athayde, tentou não encarar o sujeito pra não chamar a sua atenção, mas não adiantou, ao passar ao lado do indivíduo, Athayde ouviu uma voz feminina bem baixinha: "com licença, o Sr. vai entrar no mercado?". Ao olhar para a pequena figura ao seu lado, Athayde percebe que o indivíduo é uma frágil senhora, bem magrinha, descalça, rosto abatido pelo cansaço, carregava uma sacola com latinhas de alumínio, certamente passou o dia todo catando-as nas latas de lixo. Athayde responde: "Não, por que? A senhora precisa de algo?" A senhora o olha com hesitação: "Se o senhor pudesse me comprar 1kg de arroz e feijão, pois não tenho nada em casa hoje e preciso levar algo para meus filhos..." Athayde percebeu na hora a seriedade da situação, graças a Deus e aos seu pais, ele nunca passara fome, mas quando alguém lhe pedia comida e não dinheiro, ele não pensava duas vezes antes de ajudar. "Se a senhora puder aguardar aqui, eu vou até o mercado e compro o que a senhora me pediu." A senhora inicialmente o encarou um tanto incrédula, mas percebeu que o rapaz a sua frente falava sério. Afinal não era comum em sua vida, ouvir uma resposta positiva de alguém qualquer. Ela então o aguardou na saída do supermercado, enquanto isso Athayde se deslocava para o interior do mercado, procurando pelo o que a senhora lhe pediu. Mas então ele pensou: "Mas só isso o que ela me pediu não dá pra quase nada... afinal qual o tamanho da família dela?" Athayde resolveu comprar um pouco a mais do que ela pediu, aumentou a quantidade de arroz e feijão, comprou um refresco em garrafa (pois rende mais que refrigerante e é mais saudável) e leite em pó (afinal de qual idade era seus filhos?). A compra ficou pesada, tudo aquilo ainda era pouco mas como aquela senhora iria carregar aquele peso todo caso ele comprasse mais? Por fim, Athayde resolveu levar apenas aquilo. A fila estava grande, Athayde se perguntou se a senhora ainda o estava esperando lá fora, "(...)tomará que ela não tenha ido embora e tenha achado que eu a enganei...", Athayde pensou. Após um certo tempo, Athayde chega ao caixa, paga as compras e as colocam nas sacolas, preocupando em colocar uma sacola dentro de outra pra não arrebentar (afinal provavelmente a senhora não morava perto). Athayde sai rapidamente do supermercado, apreensivo, busca ao longe a figura e não demora para avista-la encolhida no chão, sentada na entrada do mercado. Athayde mais aliviado, Ao aproximar-se fala sorriedente: "A senhora pode ficar despreocupada porque comprei arroz e feijão o suficiente pro mês inteiro (pelo menos é o que ele achava), tb trouxe refresco e leite em pó... olha tá pesado, a senhora vai aguentar carregar?" A senhora olha para as compras e o encara incrédulo, seus olhos se enchem de lágrimas, ela pega as sacolas em suas finas mãos e agradece emcionada ao rapaz, agradece muito, o abençoa e diz que hoje nem vai mais catar latinhas, vai correndo pra casa levar a janta dos seus filhos... Athayde fica atônito, como pode algo tão simples pra ele, que nunca lhe fez falta, gerar tanta felicidade para uma pessoa, nunca alguém o agradeceu tanto por coisas tão banais, nunca alguém chorou em sua frente por coisas tão simples... Athayde desmorona, despedindo-se rapidamente da senhora, ele se vira e sai rumo a sua casa, as lágrimas descem pesadamente, Athayde chora como a muito tempo não chorava, chora de vergonha, chora de raiva de si mesmo, por reclamar tanto de sua vida, pela falta de humanidade nesse mundo, por ser tão fraco se comparado àquela mulher...

Porém aquele momento de auto-conscientização durou pouco, ao chegar quase em frente a sua casa, pondo-se rente a rua para atravessa-la, Athayde observa que um pouco além da sua casa, uma Uno Mille branca pára e dois indivíduos saem de dentro dela, eles começam a seguir uma mulher que anda pela calçada, abordam-a e em seguida levam diversos objetos da mesma. Após o assalto, eles retornam rapidamente para o carro, onde havia um outro elemento dirigindo o veículo e saem em disparada. Athayde ao assistir aquela cena é tomado por um forte sentimento de ódio, naquela mesma rua ele havia sido assaltado anos atrás e desde então carrega consigo um sentimento de vingança insaciada por qualquer assaltante. Athayde pensou em fazer algo, a mulher assaltada após os bandidos fugirem, saiu correndo, Athayde até pensou em falar com ela, mas agora ela já estava longe.

Pensativo, Athayde entra pelo portão de sua casa, ainda confuso pelo choque de emoções que havia passado, confuso por ter assistido às duas consequências da extrema pobreza: a pessoa que apesar de todos os males ainda mantém sua integridade e a pessoa que se rende ao crime para viver. Athayde se senta no banco de sua varanda, aquela noite havia lhe mostrado lições valiosas, parecia uma brincadeira do destino, aquilo tudo lhe pareceu tão proposital, parece que foi tudo planejado para ele passar por aquela situação nquela noite. Mas independente daquilo tudo ser ou não uma peripécia do destino, Athayde tinha consciência que aquilo aconteceu pra lhe ensinar algo, Athayde nunca foi um cara alienado, tinha consciência das mazelas do seu povo, mas de alguma maneira, tudo aquilo que ele sentiu e observou mexeu com ele, de alguma forma agora, ele se sentia mais homem.